quinta-feira, 8 de dezembro de 2011

Espelho, chão, sexo e dor


Agoniado, sentou-se só, no chão, em frente ao espelho, que estava apenas escorado em algumas caixas de papelão com livros, no quarto de trás do apartamento. A pouca luz, fraca, deixava pouco a ver de seu rosto, que andava inchado por aqueles dias. Sentou-se como criança, em frente de si mesmo, em frente à própria imagem.
Ali pôde perceber durante alguns dias que a dor que sentia não era plena. Surtava alto, subia as paredes, mas ali estava ele, em frente a seu corpo, seu corpo material, inteiro, um rosto que não reconhecia a si mesmo, nas suas ações e decisões. É como se o acompanhasse, em seus olhos, o olhar de outros, de outrem, de pessoas mais velhas, que passaram na sua vida e lhe marcaram de uma maneira ou outra. Via-se ainda criança, por mais que ali, em frente ao espelho, entre as pernas, se protuberasse uma série de pêlos. Era velho, tinha barba, mas carregava consigo, nos espaços que ocupava, o olhar, a avaliação, a aprovação dos outros. E, por isso, não conseguia viver sozinho, solitário. Precisava conversar, beber, sair, namorar, para esquecer que carregava tantos olhares e anseios. 



***


Se o telefone tocasse, possivelmente, seria ele. Gostaria e ao mesmo tempo não, que não fosse ele quem telefonasse. Gostaria que outras pessoas, amigos, telefonassem, e que se desacostumasse com os telefonemas dele. Telefonemas de bom dia, para falar besteira, para passar o tempo, para dar boa noite, para mandar abraço, para mandar beijo, para dizer que gosta muito, para dizer que ama, para resolver compromissos, pensar projetos, averiguar a vida do outro, com quem está e saiu, se vai ou não para casa, reclamar da vida, reclamar do outro na vida, ser grosso, brigar só para depois ligar novamente e pedir desculpas, e ligar mais vezes. E isso porque eram ex-namorados.
Ainda assim, deixou que a ansiedade o tomasse: a espera pelo seu telefonema. Outrora, havia já tomado a corajosa decisão de deletar o número do ex-parceiro do celular, para que nunca mais pudesse telefonar. Ora, meio turno depois, ia até a lista de últimas chamadas, e lá figurava o bendito número. Bastava apenas editar e salvar – novamente – na sua lista de contatos. Feito!



***


E se dissesse que ainda o amava? Enfim, já havia dito isso uma porção de vezes, ele sabia, se quisesse, já teria voltado. Mas então, o que fazer, se não fazia mais sentido repetir que o amava? Bastava considerar-se, de corpo e alma, solteiro, ir à Parada (Gay) não com receio de ver o amigo com seu novo amigo amante, mas para conhecer outras pessoas, outros homens, fazer novos amigos. “Atoro fasser amissades”, parafrasearia sua amiga russa, que viera à cidade no verão passado.

domingo, 25 de setembro de 2011

Pós-modernidade, lucubrações e Kundera

Quando você sente as costas endurecerem, uma vazio enjoado no estômago e uma melancolia serena, é sinal de que está amadurecendo.

Gostaria de fotografar corpos nus, meu íntimo, mas meu íntimo não é só meu.

***


O mais estranho no acabar de um relacionamento é que você tem que se acostumar que o corpo do outro não está mais com você. O corpo do outro pode estar com outro, e outros, mas não com você. Isso pode gerar duas coisas. Ou você sente ciúmes e morre em pensar no outro com um outro corpo, se deliciando com um outros corpos, lambendo, sentindo, cheirando e se divertindo com um corpo outro, ou você abre a mente e pensa que o sexo não necessariamente precisa ser recluso a duas pessoas, entendendo-o como fluido, como fluxo, que vai e vem de uma pessoa a outra, sem fronteiras, ou limites. Meio pós-moderno mesmo.

Embora sinta aquele, muito fortemente, prefiro que esse aconteça comigo. Prefiro acreditar que meu corpo é livre e são, aberto a fluxos, a fluidos, que posso sentir prazer com mais de uma pessoa, que mais pessoas podem se divertir com meu corpo, e eu, me divertir com o delas. Sentir que vivemos menos dicotomicamente, e mais em rede, em processos de idas e vindas, que não são estanques em si. Que não preciso estar recluso a alguém, seu sêmen, seu suor, suas curvas morenas e peludas, ainda que deliciosas. Mas que outros corpos podem me atiçar o desejo e fazer eregir minha genitália.

Acho que as teorias pós-modernas fazem a gente pensar melhor sobre si, a vida e as relações humanas. Viva Milan Kundera!

quinta-feira, 22 de setembro de 2011

Pequeno doloroso diálogo madrugal

- Oi.
- Oi.
- Tudo bem.
- Como é que você tá?
- Tudo bem - respondeu choroso.
- Tais em casa?
- To sim. Tais onde? Na universidade?
- To sim.
- Tava ficando com alguém, foi?
- Mais ou menos... - respondeu triste e, ao mesmo tempo, reticente.
- Ta bom. Tchau.
- Fica bem, viu?
- Ta bom. Tchau.

Daí, deitou, mas não conseguiu dormir, a cama balançava a noite toda, na verdade era o corpo que balançava, tremia, gemia, doía, gritava de dor e aflição. Chorava, rangia, e a ansiedade lhe desesperava. Não sabia o que fazer. A mãe, no quarto ao lado, não poderia perceber nada, nenhum grito do choro. Não resistiu, com os primeiros raios do dia, vestiu a calça e a camisa com que havia chegado na noite anterior e se debandou de casa, sem se importar como o que a mãe pensaria com aquela saída repentina.
Eram cinco da manhã, e esperaria até as cinco e meia da manhã pelo ônibus. Veio, e foi. Chegando à universidade, nada, nenhum sinal, nenhum vestígio de vida, Nada, nenhum vestígio dele. Andou até o fim da pista, e chorou copiosamente. Voltou insatisfeito, triste, enciumado. Voltou de ônibus, por volta das seis e meia da matina. Nunca mais fora o mesmo.

sábado, 6 de agosto de 2011

Perdas, danos e términos

A gente sempre sai calejado de um término desses. Términos de namoro. Sempre.
Parece que o corpo recebeu uma surra, e a gente fosse obrigado a se reerguer a duras custas. Sentimentos, afetos, moral, saúde, desejo, autoestima, tudo sai mudado de uma situação dessas. E parece que nunca vai acabar, que o desejo nunca vai acabar, que o anseio e a ansiedade em tudo dar certo não vai acabar, que a solitude não acaba. E que você nunca vai se apaixonar por ninguém de novo. Ou, ao menos, não quer, para não ter que passar por isso de novo mais à frente.

Na verdade, acabar significa recomeçar (coisa mais clichê, né?). Falo isso não apenas da relação entre ex-namorados - ela pode existir, ou não, podem se afastar ou querer se tornar amigos para sempre. Mas das relações consigo mesmo: amadurecer, criar equilíbrio, uma base para se manter: autosegurança. E mais ainda, perder o medo de perder essa segurança, ou se tornar sereno ao ponto de não se preocupar mais com isso, de perder.

sexta-feira, 22 de julho de 2011

Chuva de Jambo


Em tempo de chuvas, jambo nas ruas. Seria de se pensar que o que chove não é água, mas jambos. Como se o que despencasse o tempo todo, como se aquilo que ouvíssimos bater no telhado de madrugada ou no zinco da cobertura da garagem fosse jambos, um grupo de jambos, uma colméia de jambos, meteoros de jambos, que exalam no ar um cheiro doce e vermelho, e cujas polpas, pisadas e amassadas nos pontos de ônibus e calçadas de frente de casa, formam um tapete branquíssimo-avermelhado-com-pitadas-de-verde-das-folhas-caídas.
Se nossa lógica analisa, reflete e observa as ações humanas e da natureza através de causas e consequências, se lemos os acontecidos através das marcas por eles deixadas, afirmo e reitero que choveu jambo na rua de cima da minha casa.

domingo, 17 de julho de 2011

Quem somos nós, agora?

Quando você acaba um relacionamento, as coisas se desbancam.
Quando se está namorando, há sinais de carinho, atenção e companheirismo, tais quais, ligar todo dia, falar do cotidiano, se ver assim que possível, conversar, conversar, conversar, e trepar. Também são sinais de afeto, de proximidade, e, por que não, de amizade.
Quando se acaba um relacionamento, e ambos decidem permanecer amigos, há um série de transições a serem feitas, sendo a primeiras delas a questão do afeto. Há, sim, tesão, mas ele deve ser deslocado para um carinho, um afeto mais ameno, menos um desejo que uma amizade. No entanto, talvez o pior esteja nas pequenas coisas: deixar de se ver ou se ver bem menos a partir de então, não se ligar todos os dias, não adentrar o cotidiano e o íntimo do outro. São vontades inerentes do afeto, mas que são castradas para que você mesmo não se magoe. O momento não é fácil.
Quando a gente senta para conversar, quem somos nós?

terça-feira, 12 de julho de 2011

Poe mão

Enrolo meu braço em tua cintura
E isso já é poesia.

segunda-feira, 11 de julho de 2011

Línguas ou Sob Encomenda

Se aquelas paredes falassem
Se aqueles desenhos falassem
Se as chuvas e as gotas falassem
Se a luz amarela do poste que pousava sobre tua pele branca falasse
Se o pouco espaço entrecolchões falasse
Se o toque de peles suadas e desnudas falasse
Se o desejo pudesse falar
Se meu corpo, em suas reações, ereções e desejo, falasse
Se teu corpo, solto, descomplexo e enverso falasse

Haveria muitas línguas, linguagens, palavras e palavrões
Traduzidos em sussurros inescutáveis àquela hora da noite

sexta-feira, 8 de julho de 2011

Fim de ciclo: crise

A gente se forma. Depois de muito esperar, a gente se forma.
Mas nosso corpo e nossa vida não são acostumados com muita liberdade. Assim que nos vemos em um não-fazer obrigatório, com tempo livre e sem muitas certezas futuras - trabalho nunca é certeza para ninguém -, a gente pára. Param os desejos, as esperanças, o palpitar do coração. Vem a ansiedade, o anseio, a raiva, a vontade de não se sabe o quê. Vontade de dormir, e dormir, e dormir...
Acabar um curso é fechar um ciclo. Um ciclo que, para mim, durou quatro anos, marcados por namoros, brigas, incertezas, firmeza de postura, problemas familiares, encontro com amigos importantes e movimentação política. Tudo isso em torno da universidade, das pessoas que a fazem e dos amigos que lá fiz. Deixar isso de uma hora para outra não é nenhum pouco fácil. Também não é nem um pouco fácil ficar à mercê do mercado de trabalho, algo tão insólito e traiçoeiro como uma gelatina cheia de corantes e calorias. Novos mundo se abrem, ou é você que volta àquele velho mundinho, que você havia esquecido ao adentrar os muros da universidade.
O que deixar? O que ficar? Não sei. Não sei de muita coisa. Deixa eu ficar só, só um pouquinho. Sem ninguém, sem redes sociais, sem o mundo. Deixa eu.

terça-feira, 31 de maio de 2011

Autoreferência Gay

Então, acabei de ver o vídeo "Não Gosto dos Meninos", do Andre Matarazzo e do Gustavo Ferri, e fiquei pensando alguma coisas. Dá uma olhada e a gente conversa.


Lembro que uma vez um amigo (gay) meu falou que estava cansado das bee porque todas eram muito autoreferentes. Fiquei pensando na hora, mas acabei guardando. De fato, toda bicha é meio autoreferente, seja da história de vida, seja da roupa que usa, seja da performance que atua, seja dos vídeos que vê no Youtube, seja pelo que faz, enfim. E vi que, nesse filme, rola muito isso também. Claro que a proposta é fazer um vídeo com estórias de vida de personagens gays, baseado no projeto It Gets Better. Nesse sentido, o filme segue legal a proposta e atinge seu público e seu alvo, sendo de grande importância sobre a conscientização do ser gay.
Mas acho que está na hora de ir mais além. Deixa de ser autoreferente. Ok, você sofreu, brincava de boneca com as meninas da sua turma de escola, sua mãe não te aceitou, você agora tem um relacionamento incrível e o melhor é se aassumir. As estórias são bem parecidas. Porém, acho que está na hora de pensar na relação com os demais gays. Como você lida com os outros gays? Como você lida com uma trava da favela? E com um gay negro? Você não gosta daquelas bichas afeminadas? Você é passivo ou ativo? Por quê? Não sei bem explicar, mas é tentar ir além de si mesmo, do próprio umbigo, da própria história de vida, e ir além.
Parece-me que com essa autoreferência gay, todos são bonitinhos e sofridos, e que todos os conflitos se resolvem porque se assumiram ou tem hoje um relacionamento estável e consegue se manter bem. Talvez uma coisa meio "o sonho da casa própria" da classe média. E os outros, e as demais estórias, à galera que passa um sufoco nos interiores do Brasil pra se assumir, quem precisa o tempo todo se afirmar na favela, aqueles que só conseguiram se segurar na prostituição. Temos que pensar como nos relacionamos com os outros gays. E refletir isso tudo.

São-Paulistando I

Aqui em São Paulo, eu tenho medo das pessoas. Não que as pessoas necessariamente façam medo, mas eu me sinto medroso aqui. Sinto que vão me olhar de alto a baixo, que vão me ignorar, que vão me ignorante, que vão me julgar e me decidir antes que eu decida por mim mesmo. Rostos simpáticos na rua? Não. Sinto que, se eu passar fome, ou frio, ou medo, não me socorrerão. As ruas estão cheias desses.

Mãe, aqui é frio.
Não há sol, e sinto falta dessa energia. Não dá vontade de sair. As coisas estão aqui, frias, congeladas, como podem viver numa cidade dessa? As pessoas aqui trabalham, comem de vez em quando, dormem, e trabalham de novo. Ciclicamente.

Sinto falta de vocês all. Não queria sentir, pois essa saudade toda me paralisa, me deixa tenso e nervoso, penso no que acontece aí, e tenho vontade de ter um sonho tão grande que abarque todos vocês e tudo isso e que eu acordasse bem, pois pude passar uma noite inteira com todos vocês. Daí minha saudade passaria, e eu voltaria a ficar seguro.

segunda-feira, 25 de abril de 2011

Seu sexo ereto e segurança




É no meio da insegurança que encontramos segurança. Essa não é nunca a mesma se não colocada à prova. Segurança sem provas é medo desesperadamente maquiado. Ali, entre rolas, xoxotas, peitos, pés, bocas, desejo e suor, tinha só olhos para ele. Do meu lado, eu ao lado dele, e aos nossos lados, corpo deliciosos e deliciados em plena orgia, num sofá pequeno de meia lua na parede. Eram corpos de sexo, sem roupas, ou acessórios; corpos plenamente quentes, brancos e morenos e negros, de tons quentes à meia luz da sala de curtas luzes. O corpo dele também era quente, seu sexo latejava, seu sexo era meu conhecido, sabia-lhe os toques, os prazeres e o gozo. Era nele que mirava: nele, no seu sorriso, seu olhar e no seu sexo. Ali, ereto, levantado, aos meus olhos e boca, ele me o oferecia. Eu, com dengo, charme e desejo de casal, aderi e qui-lo. Sorriu e eu sorri, com seu sexo entre meus lábios.

sábado, 2 de abril de 2011

Amanhecendo no táxi

Já saímos de táxi, de madrugada.
Olhávamos, de rosto inchado, o céu e suas cores, a luz que teimava em arranhar as pupilas. E nosso olhos sujos, vermelhos, inchados eram marcas da madrugada que havíamos pecado juntos. E nisso, havia um quê de divino, de mágico. Pois, se entre as quatro paredes do motel, poderíamos estar juntos e nos abraçarmos e sermos lindos um com o outro, ali fora isso era crime e pecado. E nossa paixão, nossa cumplicidade ali disfarçada era um segredo, que só se dissipava quando nossos olhares se encontravam no meio da rua, no corredor das exposições, no caminho do ônibus. Ou, naquela manhã inquieta, nos caminhos do táxi até em casa.

quinta-feira, 31 de março de 2011

Rosas e cotidiano


Os relacionamentos precisam de marcas do cotidiano para se estabelecerem. Nenhum relacionamento dura mais de três meses somente por paixão ou por encantamento. Ou menos que isso. O cotidiano vem à tona, diz que está ali. Ambos se conhecem como vivem, a partir de então, e a idealização vai sendo lapidada pelo dia-a-dia.
Mais tarde, o relacionamento se habitua ao cotidiano. Se, no começo, era ele quem começava a desiludir qualquer sinal do ideal, é em cima dele que o relacionamento passa a se construir. Algo meio materialista. Materialismo histórico (?).
Percebi isso hoje, quando telefonei ao meu namorado, e falamos de coisas cotidianas.

Tá fazendo o quê?
Tow no trabalho
Vai fazer o que hoje?
Ficar em casa, estudando
Vai sair, não?
Não.
Tua aula começa a que horas?
Lá pras três e meia, quatro horas.
hum
hum
...

Praticamente, sabíamos as repostas  para qualquer uma dessas perguntas. Sinceramente, sabíamos sim. Mas saber como será o dia do outro, ou se o cotidiano continua como habitualmente, ou se haverá uma pequena ou grande mudança hoje, é sinal de atenção ou preocupação - mesmo que tudo isso seja bastante previsível. Mas é mais que isso. Perguntar sobre hoje, ou amanhã, ou sobre a continuidade de qualquer ação habitual periódica é desvendar as marcas do cotidiano, trazê-las para a linguagem, e dizer, implicitamente: "Amor, eu estou no seu cotidiano; e você também já está no meu. Isso é o nosso relacionamento, babe!" Qualquer modificação desse cotidiano é algo alheio ou estranho ao relacionamento, que pode ser algo bom ou ruim. No mais das vezes, a quebra de um cotidianho conjunto, ou dentro um qual um está inserido no do outro, é o fim de um namoro.

terça-feira, 22 de março de 2011

Beijos



Descobri que nosso amor é ingênuo.
Ele acredita nas coisas simples, e nos respeitamos a dor de estar só.
Sentimos nossas necessidades, mas brincamos delas. Brincamos de sermos atores no meio de um mundo que merece e prescinde performances. Somos também atores entre si. Encondemos nossos desejos, ao mesmo tempo em que mostramos; Dissimulamo-nos, ao mesmo tempo em que nos entendemos.
É um amor de poucas palavras, bem-estar, longos abraços, beijos soltos.
É amor de sexo rápido, de carinho cansado, de desejos noturnos e diários de estar em pé, perto.
É amor de febres, gripes, sinusites. É amor de não poder ser feliz ao mesmo tempo.

Será que Myrna traria soluções a esse amor?

quarta-feira, 9 de março de 2011

Pobre José


As costas doíam, e sabia que, se deitasse, não dormiria.
Não, não queria lhe ver por pelo menos dois dias. Dois dias sem falar com ele era entediante. Mais que triste, mais que terror, era estranho. Se afastaria dele nesse tempo, sabia que iria. Mas era necessário respeito. Precisava respeitar os espaços, ainda que achasse que seu espaço era também o dele e vice-versa. Acho que havia se enganado. E esse engano lhe doía profundamente.
Não sabia mais se encontrava brilho nos seus olhos. Talvez em fotografias, ainda; mas, voltados para ele, o olhar daquele não parecia ingênuo: parecia sem brilho. Via-o mais alto, como que superior, falando lá de cima, a cabeça e o peso nos ombros não permitiam que levantasse a face. Morreria de vergonha, ferir-se-ia de morte, pobre José.

Amores incondicionais




Era noite, e a luz do poste da esquina adentrava o quarto pela sua janela. Acabara de descobrir - por isso havia desligado o telefone - que amores não eram incondicionais. Ninguém amava para sempre, nem para todo o sempre, nem com viagem marcada, nem com brigas e discussões regulares, ninguém o amava incondicionalmente. Desde a sua mãe que não aceitara o fato de ser gay aos 16 ou 17, nem se lembrava mais. Desde aquele momento, a vida havia lhe dado a chance de entender que isso era fato: nenhum amor era incondicional, é incondicional ou será - nunca - incondicional.
Mas ao contrário, preferiu, depois de frustrado com a infantil idéia de que a mãe o amaria para sempre, jogou, dentro do imaginário, todas as fichas nos amores carnais. No momento em que contara à mãe sobre o desejo por homens e mulheres, se apaixonara perdidamente pelo amigo. E nessa paixão asoberbada e de uma ingenuidade visceral, jogou todas as fichas, e se fudeu de novo. Jogaria todas as fichas em todos os seguintes romances. Mas nesse atual, toda as apostas haviam se esgotado, e ele não tinha mais nada a que apostar; até sua imaginação apostara, seus desejos, seu carinho, seu anseio, sua sobriedade, seu discernimento, sua sensatez no jogo. E descobriu, mais uma vez, com uma angústia, uma decepção e uma fragilidade que corroíam todo o corpo e pesava nos ombros, que não há amores incondicionais.

terça-feira, 8 de março de 2011

Cuba

- Não fico triste, sabe. Eu sei que quando vejo aqueles vídeos no Youtube ou uma música mais foda, posso sair, chorar pra caralho, fumar; bebo um pouco, daí deixo de chorar mais, começo a rir, porque vejo que tudo aquilo é e foi muito bonito. Daí posso sair, ir num bar, e sei que posso ficar bem de novo, porque enocntro alguém no bar, converso, rio, vejo que há pessoas tão lindas e interessantes no mundo...

- Tá, mas você nunca mais vai encontrar alguém como ele - deu um gole de uísque -, pelo menos pelo que eu escuto você falar.

- Quando eu voltar, vai ser pior. Eu fico triste, mas, depois de chorar, sair e fumar, vejo que tudo foi lindo, e que aquelas reminescências continuam aqui comigo, presentes. Elas se tornam presente, porque estão muito fortes aqui ó, na memória - disse apontando pra a lateral da cabeça. - Mas sei que quando eu voltar, e vê-lo com outra pessoa, saber que ele trepou com outras pessoas, que ele gozou com outros, e que o sexo com algum deles foi melhor do que o meu, aí vou chorar de verdade, sabe - enxugou e disfarçou a lágrima que desceu, passando a mão no rosto e baixando a cabeça...Vai ser um choro diferente, porque tudo vai ser impossível ali; a memória vai ser passado. Vai ser um choro sem lágrimas.

- Se foi tão doloroso, porque você veio, então?

[...]

segunda-feira, 7 de março de 2011

Leveza suicida

- Sabe, nesses dias tenho pensado sobre suicídio. Tip, eu achava que quem usava as forças vitais justamente para se anularem a si mesmas só fazia porque não conseguia suportar, nos ombros, o peso de responsabilidades do trabalho, os problemas pessoais, de família ou de dinheiro. Mas aí hoje soube de um cara que simplesmente não queria viver. Tinha desistido de tudo, nada mais o satisfazia, e o pensamento de morrer era tão natural quanto respirar. Ele não ia se matar, mas estava meio anoréxico, daí que um amigo médico havia dito que ele podia morrer a qualquer momento nessa semana. Descobri que ele queria - ou era indiferente à própria morte, porque - pausou, enquanto segurou o cigarro na boca e o acendeu - o que lhe pesava era a insustentável leveza do ser...

- Rapaz...mas como é que tu percebeu isso?

- Cara, meio óbvio, sabe. Ele tinha de tudo: podia viajar a hora que fosse, sair sem se preocupar em quanto gastar, ter os amigos que quisesse, curtir a vida adoidada, algo que é meio diferente da gente. E nada mais satisfazia, ou ele vivia meio virtualmente, entre ar-condicionados, redes sociais e tv a cabo, sei lá...A morte é apenas uma constante, uma condicionante no meio desse mundo meio virtual, onde nada mais parece tanger o real. Foi perturbador perceber que não havia mais o que ele fazer. Havia recusado médicos, psicólogos e mesmo os amigos. Sua vida, sem necessidades e repleta de escolhas, era leve demais para ser suportada.

- Porra, véi, num acredito muito nisso, sério mesmo. Acho que tem alguma coisa aí, uma doença, um grande problema, depressão, alguma coisa, mas não apenas isso.

- Demorou a me cair a ficha também, mas caiu. A vida dele era surreal pra gente, de fora, sabe. Tudo parece uma casta, uma bolha, e sempre se pensa pra frente, pra cima, num sei. Sempre as coisas leves demais, grandes demais, no alto de um prédio, na panorâmica de uma cobertura. Não há chão, não há teto também, há uma grande vista, não há pés no chão, literalmente. E era a falta desse peso, dessa necessidade de lutar, de viver, de conquistar, que deixava ele leve o suficiente para que as coisas também perdessem todo o seu peso, e também todo o sentido. Acontece que a vida também ficava leve. E a vida, de tão leve, de tão parecer um sonho, passava a ser virtual, insignificante, indiferente. Espero que ele não morra...- suspirou, dando a tragada final.

quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

Ombros recompostos*

*Pra Janita

Quando tudo parece meio perdido, enublado, solto, é nas amizades que a gente se recompõe.
É quando se olha para a estante e não se quer ler livro algum; ou quando nada mais interessa que não sonhar dormindo; é quando o tédio é maior que todas as aventuras diárias, que você olha pros lados, às vezes para baixo [por conta da vaidade] é se vê os amigos e os compas.
São eles que dão força para continuar quando se duvida do caminho que se segue. São eles que nos olham com tédio ou indiferença algo que nos amendronta só para dizer "Isso é drama, seu", e você ver que as coisas nem são tão graves assim.
Tocar no chão dói nos ombros, pesa como mármore, rasga como diamante na carne. Daí você se lembra dos amigos, sente a mão deles no seu ombro. A angústia não passa. Mas é só drama seu.

segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

Dois

Ele me tomou pelos braços, e não tive como controlar o arrepio que subiu do topo da bunda até a nuca. Minhas costas inteiras arderam, o coração estufou, a boca secou, a bunda sutilmente empinou.

domingo, 13 de fevereiro de 2011

2

Ainda que Macedo não se importasse, sentia-se aliviado ao perceber, com a periferia dos olhos, o olhar atento de Frida ao buscá-lo por cima das tantas cabeças na vernissage. Não a perderia; ao contrário, sentia-a ligada a ele, sempre preocupada. Não se intimidava: sabia que não eram ciúmes, e, por isso, não fazia questão sobre com quem conversasse. Sabia que bastava que os olhos dela o encontrassem para que se sentisse aliviada.

O anúncio da nova exposição animava Macedo para o novo ano. Adorava anos ímpares: anos de trabalho, de bom desempenho, de desejo de novidades, anos que guardam curiosidades e satisfações - e que incitam a busca por satisfações. Por isso, animava-se com todo aquele fervor no hall, nos cômodos da casa de exposições; via o quanto as pessoas também se empolgavam com o novo trabalho, e tinha cada vez mais certeza que havia acertado na curadoria. A jovem moça, uruguaia, apresentava as fotos e imagens feitas com suas duas dezenas de câmeras analógicas, desde uma Rolleiflex às boas Canon, de uma decifração cotidiana que encantava os olhos ali. Ruas, rios, ruas e rios, latas de Coca-cola imprensadas e enferrujadas no asfalto, folhas, praças, lixo. Não ousava os retratos, a gente não era o seu tesão fotográfico. No fundo, temia a invasão da câmera na vida daquelas pessoas; covarde, permanecia com a câmera voltada para o chão, tomando a perspectiva de cima, talvez dominadora, mas que agradava os olhos distintos brasileiros naquela noite.

Era com ela que ele, animado, tecia os comentários mais luxuosos. Dizia-se cada vez mais satisfeito com a escolha e com a parceria feita ainda no meio do ano passado. Sabia que o material traria novos olhares, desempenharia um furor no meio artístico da cidade. Olhava-a ou fitava-a com ainda mais paixão nessa noite. Adriana, a fotógrafa, o encantava cada dia mais, a cada contato, a cada conversa por telefone, a cada encontro. Não sabia mais ao certo se se encantava por ela ou pelo trabalho, ou pelos dois. Mas que importava? A noite estava plena. Tomava vinho cauteloso, recebia com honra os convidados, no fundo vibrava.

sábado, 12 de fevereiro de 2011

1

1

Frida olhou por cima das cabeças que ocupavam o salão e não o viu. Como poderia não o ver? Não que o estivesse procurando, ou mantendo seu olhar sobre ele; não eram ciúmes ou algo do tipo. Mas sempre o olhava, e sabia onde estava. Tinha noção e controle de até onde ele iria, que passos daria, com que amigos falaria. Gostava de estar no controle, e era natural; se não estivesse tomado o controle do relacionamento, ele não teria durados mais de dois anos. Mas não era um controle doentio: era só o de olhar sobre aquelas cabeças e ver, seguramente, Macedo.
A vernissage abria o ciclo de exposições da galeria, e era cômodo estar ali. Cômodo, pois poderia ver as mesmas pessoas de seu círculo, e pensar "Bem, tudo continua. O ano virou, mas as pessoas continuam aqui. As vernissages continuarão acontecendo, sem grandes mudanças". Era o pensamento que tinha todo início de ano. E precisava dessa certeza: qualquer mudança deveria ser percebida, ou, ao menos intuída, antes de acontecer. Não gostava de novidades; nem de grandes mudanças na vida.

domingo, 6 de fevereiro de 2011

Anxious


A ansiedade pode ter todo um rol de consequências nada agradáveis. Não suportar estar no presente, pensar sempre adiante, vincular-se a projetos mil e não suportar o seu dia-a-dia, e abandoná-los aos muitos; sempre pensar no futuro e não dar importância àquilo e àqueles a seu redor. Sei muito bem, conheça-a muito bem: a ansiedade tem sido minha amiga por longos anos.

Mas, acordo, e ela não está (mais) a meu lado, nem a meu redor, nem é meu contingente. A ansiedade não está mais na minha cama. E agora me pergunto: o que fazer? Pois, se com a ansiedade, se pensa o tempo todo todo no futuro, há perspectivas e extectativas mil, pensamentos e planos, há muita esperança, ainda que fugaz. Ora, se ela desaparece, tudo isso também se vai. E agora me sento em frente ao computador, e não há mais esperanças ou desejo ou rancores do que fazer daqui a seis meses ou um ano. Estou bem, estou feliz nesse momento, por isso não sinto ansiedade.

Mas esse momento, o agora, se irá; e que farei, sem planos, sem projetos, sem querer me desgarrar do meu presente? O presente: uma obsessão sem ansiedade? Será que a ansiedade serve para não se travar no presente? Tenho medo de ficar preso a ele, tão preso que não possa nem olhar para o lado.

Parece que troquei um tempo pelo outro.

segunda-feira, 31 de janeiro de 2011

Saumpá

Acho São Paulo,
Entre os redemoinhos, ela é um porto seguro virtual
um desejo de ir, um carinho de estar
canso em absoluto, mas, na minha imaginação, ela está lá
um porto ao qual ir, um local no qual aportar
um imaginário que não precisa de dinheiro ou de gastos com passagem
é apenas um imaginário
contente-se com isso

sábado, 29 de janeiro de 2011

Solitude

Você abre a porta no início do dia.
Você fecha as portas no fim da noite.
Você cozinha.
Vomcê come.
Você ama.
Você goza.
Isso é estar sozinho.