quinta-feira, 31 de março de 2011

Rosas e cotidiano


Os relacionamentos precisam de marcas do cotidiano para se estabelecerem. Nenhum relacionamento dura mais de três meses somente por paixão ou por encantamento. Ou menos que isso. O cotidiano vem à tona, diz que está ali. Ambos se conhecem como vivem, a partir de então, e a idealização vai sendo lapidada pelo dia-a-dia.
Mais tarde, o relacionamento se habitua ao cotidiano. Se, no começo, era ele quem começava a desiludir qualquer sinal do ideal, é em cima dele que o relacionamento passa a se construir. Algo meio materialista. Materialismo histórico (?).
Percebi isso hoje, quando telefonei ao meu namorado, e falamos de coisas cotidianas.

Tá fazendo o quê?
Tow no trabalho
Vai fazer o que hoje?
Ficar em casa, estudando
Vai sair, não?
Não.
Tua aula começa a que horas?
Lá pras três e meia, quatro horas.
hum
hum
...

Praticamente, sabíamos as repostas  para qualquer uma dessas perguntas. Sinceramente, sabíamos sim. Mas saber como será o dia do outro, ou se o cotidiano continua como habitualmente, ou se haverá uma pequena ou grande mudança hoje, é sinal de atenção ou preocupação - mesmo que tudo isso seja bastante previsível. Mas é mais que isso. Perguntar sobre hoje, ou amanhã, ou sobre a continuidade de qualquer ação habitual periódica é desvendar as marcas do cotidiano, trazê-las para a linguagem, e dizer, implicitamente: "Amor, eu estou no seu cotidiano; e você também já está no meu. Isso é o nosso relacionamento, babe!" Qualquer modificação desse cotidiano é algo alheio ou estranho ao relacionamento, que pode ser algo bom ou ruim. No mais das vezes, a quebra de um cotidianho conjunto, ou dentro um qual um está inserido no do outro, é o fim de um namoro.

terça-feira, 22 de março de 2011

Beijos



Descobri que nosso amor é ingênuo.
Ele acredita nas coisas simples, e nos respeitamos a dor de estar só.
Sentimos nossas necessidades, mas brincamos delas. Brincamos de sermos atores no meio de um mundo que merece e prescinde performances. Somos também atores entre si. Encondemos nossos desejos, ao mesmo tempo em que mostramos; Dissimulamo-nos, ao mesmo tempo em que nos entendemos.
É um amor de poucas palavras, bem-estar, longos abraços, beijos soltos.
É amor de sexo rápido, de carinho cansado, de desejos noturnos e diários de estar em pé, perto.
É amor de febres, gripes, sinusites. É amor de não poder ser feliz ao mesmo tempo.

Será que Myrna traria soluções a esse amor?

quarta-feira, 9 de março de 2011

Pobre José


As costas doíam, e sabia que, se deitasse, não dormiria.
Não, não queria lhe ver por pelo menos dois dias. Dois dias sem falar com ele era entediante. Mais que triste, mais que terror, era estranho. Se afastaria dele nesse tempo, sabia que iria. Mas era necessário respeito. Precisava respeitar os espaços, ainda que achasse que seu espaço era também o dele e vice-versa. Acho que havia se enganado. E esse engano lhe doía profundamente.
Não sabia mais se encontrava brilho nos seus olhos. Talvez em fotografias, ainda; mas, voltados para ele, o olhar daquele não parecia ingênuo: parecia sem brilho. Via-o mais alto, como que superior, falando lá de cima, a cabeça e o peso nos ombros não permitiam que levantasse a face. Morreria de vergonha, ferir-se-ia de morte, pobre José.

Amores incondicionais




Era noite, e a luz do poste da esquina adentrava o quarto pela sua janela. Acabara de descobrir - por isso havia desligado o telefone - que amores não eram incondicionais. Ninguém amava para sempre, nem para todo o sempre, nem com viagem marcada, nem com brigas e discussões regulares, ninguém o amava incondicionalmente. Desde a sua mãe que não aceitara o fato de ser gay aos 16 ou 17, nem se lembrava mais. Desde aquele momento, a vida havia lhe dado a chance de entender que isso era fato: nenhum amor era incondicional, é incondicional ou será - nunca - incondicional.
Mas ao contrário, preferiu, depois de frustrado com a infantil idéia de que a mãe o amaria para sempre, jogou, dentro do imaginário, todas as fichas nos amores carnais. No momento em que contara à mãe sobre o desejo por homens e mulheres, se apaixonara perdidamente pelo amigo. E nessa paixão asoberbada e de uma ingenuidade visceral, jogou todas as fichas, e se fudeu de novo. Jogaria todas as fichas em todos os seguintes romances. Mas nesse atual, toda as apostas haviam se esgotado, e ele não tinha mais nada a que apostar; até sua imaginação apostara, seus desejos, seu carinho, seu anseio, sua sobriedade, seu discernimento, sua sensatez no jogo. E descobriu, mais uma vez, com uma angústia, uma decepção e uma fragilidade que corroíam todo o corpo e pesava nos ombros, que não há amores incondicionais.

terça-feira, 8 de março de 2011

Cuba

- Não fico triste, sabe. Eu sei que quando vejo aqueles vídeos no Youtube ou uma música mais foda, posso sair, chorar pra caralho, fumar; bebo um pouco, daí deixo de chorar mais, começo a rir, porque vejo que tudo aquilo é e foi muito bonito. Daí posso sair, ir num bar, e sei que posso ficar bem de novo, porque enocntro alguém no bar, converso, rio, vejo que há pessoas tão lindas e interessantes no mundo...

- Tá, mas você nunca mais vai encontrar alguém como ele - deu um gole de uísque -, pelo menos pelo que eu escuto você falar.

- Quando eu voltar, vai ser pior. Eu fico triste, mas, depois de chorar, sair e fumar, vejo que tudo foi lindo, e que aquelas reminescências continuam aqui comigo, presentes. Elas se tornam presente, porque estão muito fortes aqui ó, na memória - disse apontando pra a lateral da cabeça. - Mas sei que quando eu voltar, e vê-lo com outra pessoa, saber que ele trepou com outras pessoas, que ele gozou com outros, e que o sexo com algum deles foi melhor do que o meu, aí vou chorar de verdade, sabe - enxugou e disfarçou a lágrima que desceu, passando a mão no rosto e baixando a cabeça...Vai ser um choro diferente, porque tudo vai ser impossível ali; a memória vai ser passado. Vai ser um choro sem lágrimas.

- Se foi tão doloroso, porque você veio, então?

[...]

segunda-feira, 7 de março de 2011

Leveza suicida

- Sabe, nesses dias tenho pensado sobre suicídio. Tip, eu achava que quem usava as forças vitais justamente para se anularem a si mesmas só fazia porque não conseguia suportar, nos ombros, o peso de responsabilidades do trabalho, os problemas pessoais, de família ou de dinheiro. Mas aí hoje soube de um cara que simplesmente não queria viver. Tinha desistido de tudo, nada mais o satisfazia, e o pensamento de morrer era tão natural quanto respirar. Ele não ia se matar, mas estava meio anoréxico, daí que um amigo médico havia dito que ele podia morrer a qualquer momento nessa semana. Descobri que ele queria - ou era indiferente à própria morte, porque - pausou, enquanto segurou o cigarro na boca e o acendeu - o que lhe pesava era a insustentável leveza do ser...

- Rapaz...mas como é que tu percebeu isso?

- Cara, meio óbvio, sabe. Ele tinha de tudo: podia viajar a hora que fosse, sair sem se preocupar em quanto gastar, ter os amigos que quisesse, curtir a vida adoidada, algo que é meio diferente da gente. E nada mais satisfazia, ou ele vivia meio virtualmente, entre ar-condicionados, redes sociais e tv a cabo, sei lá...A morte é apenas uma constante, uma condicionante no meio desse mundo meio virtual, onde nada mais parece tanger o real. Foi perturbador perceber que não havia mais o que ele fazer. Havia recusado médicos, psicólogos e mesmo os amigos. Sua vida, sem necessidades e repleta de escolhas, era leve demais para ser suportada.

- Porra, véi, num acredito muito nisso, sério mesmo. Acho que tem alguma coisa aí, uma doença, um grande problema, depressão, alguma coisa, mas não apenas isso.

- Demorou a me cair a ficha também, mas caiu. A vida dele era surreal pra gente, de fora, sabe. Tudo parece uma casta, uma bolha, e sempre se pensa pra frente, pra cima, num sei. Sempre as coisas leves demais, grandes demais, no alto de um prédio, na panorâmica de uma cobertura. Não há chão, não há teto também, há uma grande vista, não há pés no chão, literalmente. E era a falta desse peso, dessa necessidade de lutar, de viver, de conquistar, que deixava ele leve o suficiente para que as coisas também perdessem todo o seu peso, e também todo o sentido. Acontece que a vida também ficava leve. E a vida, de tão leve, de tão parecer um sonho, passava a ser virtual, insignificante, indiferente. Espero que ele não morra...- suspirou, dando a tragada final.