terça-feira, 7 de fevereiro de 2012

Capote e os limites do afeto no trabalho

É difícil saber até que ponto, no nosso trabalho de jornalistas/escritores, nosso afeto influencia cada trabalho que realizamos. E, por afeto, não entendo apenas sentimentos e subjetividades, mas as formas como os conceitos, nossas visões, nosso conhecimento e nossa sensibilidade afetam o que transformamos em palavras.

Palavras, ou melhor, transformar ações e situações factíveis em palavras é fazer ficção, por mais que sigamos algum conceito de objetividade ou imparcialidade ou neutralidade discursiva.

Philip Seymour Hoffman em "Capote" (2005)


Falo essas coisas, ou melhor, essas coisas me vieram novamente à tona após assistir o filme Capote, sobre como o escritor que dá nome ao filme pesquisou e escreveu seu último livro e grande obra-prima "A Sangue Frio", na década de 1960. Ainda que não ache um grande filme, a atuação de Philip Seymour Hoffman trabalha bem a questão de moral e ética do filme. O olhar, a forma de falar, os silêncios nos levam a um Capote sincero e fiel em sua interpretação. E sobre ética e moral, não me venha falar em cartilhas de jornais ou algo do tipo. Falo de até que ponto vão ou seguem nossos valores ao ponto de atingirmos o que queremos fazer como trabalho, e de que forma, dessa forma, esse trabalho também nos influencia moral e pessoalmente.

Depois de assistir ai filme, não se consegue ler o livro da mesma forma. As palavras, o papel, a edição colocam aquela estória do assassinato da família Clutter muito mais longe e distante de nós: parece, de fato, um livro de ficção. Pensar que aquelas palavras, aqueles desenhos, aquelas descrições, as falas, tudo foi algo construído e afetado por tantas coisas - desde possíveis invenções do próprio Capote até a dificuldade em conseguir informações pelo fato de ser uma beecha afetada - e mais, que aquilo remonta a uma estória real, factível, acaba por fazer desse livro um dos mais pesados. E afetados. E afetivos que já li.

Ah, por fim, acho que agradeço muitíssimo ao prof e amigo Thiago Soares, por ter me feito abrir os olhos para essas interpretações maravilhosas acerca do fazer jornalístico e do escrever.



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