quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

Ombros recompostos*

*Pra Janita

Quando tudo parece meio perdido, enublado, solto, é nas amizades que a gente se recompõe.
É quando se olha para a estante e não se quer ler livro algum; ou quando nada mais interessa que não sonhar dormindo; é quando o tédio é maior que todas as aventuras diárias, que você olha pros lados, às vezes para baixo [por conta da vaidade] é se vê os amigos e os compas.
São eles que dão força para continuar quando se duvida do caminho que se segue. São eles que nos olham com tédio ou indiferença algo que nos amendronta só para dizer "Isso é drama, seu", e você ver que as coisas nem são tão graves assim.
Tocar no chão dói nos ombros, pesa como mármore, rasga como diamante na carne. Daí você se lembra dos amigos, sente a mão deles no seu ombro. A angústia não passa. Mas é só drama seu.

segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

Dois

Ele me tomou pelos braços, e não tive como controlar o arrepio que subiu do topo da bunda até a nuca. Minhas costas inteiras arderam, o coração estufou, a boca secou, a bunda sutilmente empinou.

domingo, 13 de fevereiro de 2011

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Ainda que Macedo não se importasse, sentia-se aliviado ao perceber, com a periferia dos olhos, o olhar atento de Frida ao buscá-lo por cima das tantas cabeças na vernissage. Não a perderia; ao contrário, sentia-a ligada a ele, sempre preocupada. Não se intimidava: sabia que não eram ciúmes, e, por isso, não fazia questão sobre com quem conversasse. Sabia que bastava que os olhos dela o encontrassem para que se sentisse aliviada.

O anúncio da nova exposição animava Macedo para o novo ano. Adorava anos ímpares: anos de trabalho, de bom desempenho, de desejo de novidades, anos que guardam curiosidades e satisfações - e que incitam a busca por satisfações. Por isso, animava-se com todo aquele fervor no hall, nos cômodos da casa de exposições; via o quanto as pessoas também se empolgavam com o novo trabalho, e tinha cada vez mais certeza que havia acertado na curadoria. A jovem moça, uruguaia, apresentava as fotos e imagens feitas com suas duas dezenas de câmeras analógicas, desde uma Rolleiflex às boas Canon, de uma decifração cotidiana que encantava os olhos ali. Ruas, rios, ruas e rios, latas de Coca-cola imprensadas e enferrujadas no asfalto, folhas, praças, lixo. Não ousava os retratos, a gente não era o seu tesão fotográfico. No fundo, temia a invasão da câmera na vida daquelas pessoas; covarde, permanecia com a câmera voltada para o chão, tomando a perspectiva de cima, talvez dominadora, mas que agradava os olhos distintos brasileiros naquela noite.

Era com ela que ele, animado, tecia os comentários mais luxuosos. Dizia-se cada vez mais satisfeito com a escolha e com a parceria feita ainda no meio do ano passado. Sabia que o material traria novos olhares, desempenharia um furor no meio artístico da cidade. Olhava-a ou fitava-a com ainda mais paixão nessa noite. Adriana, a fotógrafa, o encantava cada dia mais, a cada contato, a cada conversa por telefone, a cada encontro. Não sabia mais ao certo se se encantava por ela ou pelo trabalho, ou pelos dois. Mas que importava? A noite estava plena. Tomava vinho cauteloso, recebia com honra os convidados, no fundo vibrava.

sábado, 12 de fevereiro de 2011

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Frida olhou por cima das cabeças que ocupavam o salão e não o viu. Como poderia não o ver? Não que o estivesse procurando, ou mantendo seu olhar sobre ele; não eram ciúmes ou algo do tipo. Mas sempre o olhava, e sabia onde estava. Tinha noção e controle de até onde ele iria, que passos daria, com que amigos falaria. Gostava de estar no controle, e era natural; se não estivesse tomado o controle do relacionamento, ele não teria durados mais de dois anos. Mas não era um controle doentio: era só o de olhar sobre aquelas cabeças e ver, seguramente, Macedo.
A vernissage abria o ciclo de exposições da galeria, e era cômodo estar ali. Cômodo, pois poderia ver as mesmas pessoas de seu círculo, e pensar "Bem, tudo continua. O ano virou, mas as pessoas continuam aqui. As vernissages continuarão acontecendo, sem grandes mudanças". Era o pensamento que tinha todo início de ano. E precisava dessa certeza: qualquer mudança deveria ser percebida, ou, ao menos intuída, antes de acontecer. Não gostava de novidades; nem de grandes mudanças na vida.

domingo, 6 de fevereiro de 2011

Anxious


A ansiedade pode ter todo um rol de consequências nada agradáveis. Não suportar estar no presente, pensar sempre adiante, vincular-se a projetos mil e não suportar o seu dia-a-dia, e abandoná-los aos muitos; sempre pensar no futuro e não dar importância àquilo e àqueles a seu redor. Sei muito bem, conheça-a muito bem: a ansiedade tem sido minha amiga por longos anos.

Mas, acordo, e ela não está (mais) a meu lado, nem a meu redor, nem é meu contingente. A ansiedade não está mais na minha cama. E agora me pergunto: o que fazer? Pois, se com a ansiedade, se pensa o tempo todo todo no futuro, há perspectivas e extectativas mil, pensamentos e planos, há muita esperança, ainda que fugaz. Ora, se ela desaparece, tudo isso também se vai. E agora me sento em frente ao computador, e não há mais esperanças ou desejo ou rancores do que fazer daqui a seis meses ou um ano. Estou bem, estou feliz nesse momento, por isso não sinto ansiedade.

Mas esse momento, o agora, se irá; e que farei, sem planos, sem projetos, sem querer me desgarrar do meu presente? O presente: uma obsessão sem ansiedade? Será que a ansiedade serve para não se travar no presente? Tenho medo de ficar preso a ele, tão preso que não possa nem olhar para o lado.

Parece que troquei um tempo pelo outro.