segunda-feira, 31 de março de 2014

suspiros de chuva

Daí que do outro lado, a uma rua de distância, ele se ancorou na varanda de casa e olhou. Olhou pro céu, olhou pra rua, olhou também pro lado de cá. Não sei bem se olhou para cá, mas, de algum modo, senti seu olhar invadir a minha casa, adentrar os muros do condomínio, se espreitar pela abertura da minha varanda e chegar à minha sala. E emplacar, também, nos meus olhos.

E ele se deu assim. Jogou o corpo quase para fora de casa: os olhos voltados para a rua, o rosto quase do lado de fora, assim como suas mãos. É uma varanda ampla, que sai quase toda para a rua. Aqui é assim, as casas pequenas ampliam-se, tornam-se duplex, triplex, ganham varandas amplas ou se tornam mesmo grandes caixas fechadas. Ou permanecem, como o passar dos anos, do mesmo jeito como foram construídas.

Por um momento, pensei se fôssemos amantes, e o quanto me angustiaria olhá-lo assim, de longe, sem poder tocando, tocando-o só com os olhos. Ele casado, na casa dos pais, com filho, e meu amante, de vir em casa, mas me olhando, agora, de longe. Suspiraria, fingiria que não olhara para olhar de novo e vê-lo e amá-lo de longe. Ele estaria se dando a mim de sua casa, a uma rua de distância. E eu aqui.



Mas esses sonhos narrativos se desfizeram logo quando ele entrou em casa, adentrou o escuro da porta da cozinha (a varanda é também os fundos da casa em cima). Percebi que era só imaginação, que ele não era quem eu pensava. Mesmo assim, suspirei.

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