Agoniado, sentou-se só,
no chão, em frente ao espelho, que estava apenas escorado em algumas
caixas de papelão com livros, no quarto de trás do apartamento. A
pouca luz, fraca, deixava pouco a ver de seu rosto, que andava
inchado por aqueles dias. Sentou-se como criança, em frente de si
mesmo, em frente à própria imagem.
Ali pôde perceber
durante alguns dias que a dor que sentia não era plena. Surtava
alto, subia as paredes, mas ali estava ele, em frente a seu corpo,
seu corpo material, inteiro, um rosto que não reconhecia a si mesmo,
nas suas ações e decisões. É como se o acompanhasse, em seus
olhos, o olhar de outros, de outrem, de pessoas mais velhas, que
passaram na sua vida e lhe marcaram de uma maneira ou outra. Via-se
ainda criança, por mais que ali, em frente ao espelho, entre as
pernas, se protuberasse uma série de pêlos. Era velho, tinha barba,
mas carregava consigo, nos espaços que ocupava, o olhar, a
avaliação, a aprovação dos outros. E, por isso, não conseguia
viver sozinho, solitário. Precisava conversar, beber, sair, namorar,
para esquecer que carregava tantos olhares e anseios.
***
Se o telefone tocasse,
possivelmente, seria ele. Gostaria e ao mesmo tempo não, que não
fosse ele quem telefonasse. Gostaria que outras pessoas, amigos,
telefonassem, e que se desacostumasse com os telefonemas dele.
Telefonemas de bom dia, para falar besteira, para passar o tempo,
para dar boa noite, para mandar abraço, para mandar beijo, para
dizer que gosta muito, para dizer que ama, para resolver
compromissos, pensar projetos, averiguar a vida do outro, com quem
está e saiu, se vai ou não para casa, reclamar da vida, reclamar do
outro na vida, ser grosso, brigar só para depois ligar novamente e
pedir desculpas, e ligar mais vezes. E isso porque eram ex-namorados.
Ainda assim, deixou que
a ansiedade o tomasse: a espera pelo seu telefonema. Outrora, havia
já tomado a corajosa decisão de deletar o número do ex-parceiro do
celular, para que nunca mais pudesse telefonar. Ora, meio turno
depois, ia até a lista de últimas chamadas, e lá figurava o
bendito número. Bastava apenas editar e salvar – novamente – na
sua lista de contatos. Feito!
***
E se dissesse que ainda
o amava? Enfim, já havia dito isso uma porção de vezes, ele sabia,
se quisesse, já teria voltado. Mas então, o que fazer, se não
fazia mais sentido repetir que o amava? Bastava considerar-se, de
corpo e alma, solteiro, ir à Parada (Gay) não com receio de ver o
amigo com seu novo amigo amante, mas para conhecer outras pessoas,
outros homens, fazer novos amigos. “Atoro fasser amissades”,
parafrasearia sua amiga russa, que viera à cidade no verão passado.